É natural que quem quer (e precisa!)
perder peso normalmente antes de recorrer aos métodos notadamente saudáveis e
que efetivamente funcionam, já tentaram todos os atalhos (shakes, géis,
tratamentos, cintas modeladoras)... Tudo o que não tem comprovação científica,
mas que a gente QUER que dê certo, porque é um caminho mais fácil e claro,
requer um menor esforço do que se exercitar e restringir a alimentação. Num
mundo competitivo, que vive do marketing e onde todo mundo quer ganhar
dinheiro, não faltam opções na indústria da beleza, sempre promovidas por
lindas moças que prometem que se você usar a cinta tal, se fizer o procedimento
tal, se tomar o maravilhoso óleo de "num sei o que", você vai ficar
com o "shape"perfeito. Neste contexto os médicos descobriram que as
mulheres adorariam um procedimento cirúrgico que prometesse esse
"milagre".
O Brasil foi descrito pela revista
Forbes como um dos líderes na realização de cirurgias plásticas. A prótese de
mama lidera, mas a segunda colocada é, sem sombra de dúvidas a Lipoaspiração.
O que ninguém te conta é como seu corpo funciona por dentro, depois da lipoaspiração. Se nós pensarmos no mecanismo evolutivo, somos programados pra conservar energia. Em nossa evolução, ainda não deu tempo do corpo perceber que compramos comida no mercado e descobrimos a internet e o netflix pra "passar o tempo", então seu corpo ainda lembra da época que os antepassados precisavam sair da caverna pra caçar, aí você tinha que comer tudo aquilo e conservar aquela energia do alimento, porque provavelmente passaria muito tempo em privação de alimento até a próxima caça "dar sopa". E o meio que ele achou pra te proteger desta privação de calorias, foi acumulando o excesso em forma de gordura. Isso significa que nossa principal inimiga, foi quem provavelmente nos manteve vivos até descobrirmos o fast-food e o delivery da pizzaria. Por isso, qualquer mudança abrupta na nossa gordura corporal deverá acarretar alguma reação fisiológica. Bom, falei tudo isso pra começar o que interessa.
Rinomhota e cols (2008), realizaram o que se conhece como o primeiro estudo clínico prospectivo para confirmar hipóteses que haviam sido verificadas em modelos animais. Até então, havia-se percebido que nos ratinhos em que se realizava uma retirada de gordura, eles respondiam com um acumulo de gordura compensatório. Mas a pior parte dos resultados: Eles compararam indivíduos que realizaram redução de mama com abdominoplastia e as diferenças aconteceram no grupo que retirou gordura do abdomen... Ou seja, o mecanismo compensatório funciona muito mais eficientemente na gordura do abdômen.
O tecido adiposo tem uma
característica endocrina, ou seja, ele secreta substâncias. Além disso, as
células adiposas podem adaptar-se a diferences condições nutricionais e
fisiológicas, aumentando ou diminuindo seu tamanho. O problema está aqui:
Quando nós acumulamos energia em forma de gordura, há uma hipertrofia (aumento
do tamanho) da célula adiposa, mas ela tem um limiar até onde pode crescer...
Ao atingir este limiar, há uma cascata de sinalização que faz com que novas
células (hiperplasia) de gordura sejam produzidas, e aí meu amigo... ela se
apega à você e nunca mais vai embora. Isso aí, células adiposas criadas não "morrem"...
Se você faz uma dieta, ela vai "murchar" (falei ali em cima 👆🏼 que elas
se adaptam no tamanho), mas essas malditas não vão embora (Krotkiewski et al.,
1983). Sendo assim, "arrancar" por sucção o tecido adiposo,
configura-se na única maneira eficiente até agora demonstrada para se livrar
deste montante de adipócito que você tem acumulado (Boriani et al., 2014), uma
vez que com a dieta você só vai alterar o tamanho, não o número de
células.
No estudo de revisão sistemática que
avaliou 10 estudos sobre lipoaspiração no abdome, os autores identificaram que
há uma imediata diminuição de gordura abdominal e redução do peso corporal,
entretanto ambos são gradualmente restituídos para os níveis pré-operatórios em
até 3 meses após a cirurgia, podendo piorar em longo prazo. Em outras palavras:
Entra na cirurgia e sai mais magra,
mas parece que depois de um ano (ou menos!) você já está de novo com uma
quantidade de gordura próxima ao que tinha antes de operar 😔... Ou seja depois da
lipo você perdeu mesmo foi dinheiro, e não gordura. A análise por ressonância
magnética mostrou que esta gordura pode ser visceral (na maioria das vezes o acúmulo é visceral!!!) ou subcutânea e que o
abdomen realmente tem preferência pra este "reganho".
Mas o mais maluco de tudo isso é que
80% dos pacientes que tiveram estes efeitos após a lipoaspiração, relataram
estar satisfeitos com os resultados, mesmo que 56% soubessem que haviam
recuperado a gordura corporal "sugada" (Broughton et al., 2006). Ou
seja, gastou dinheiro, sofreu e recuperou tudo mas mesmo assim acreditam que tá
tudo maravilhoso! 🙄
Os mecanismos pelo qual este efeito
ocorre ainda não foram elucidados, mas estima-se que há uma alteração na
termogênese que induz o corpo a ficar com o peso que o
nosso organismo entende como ideal. É preciso pensar que nosso corpo
entende como peso ideal, aquele que assegurar sua sobrevida, ou seja, um peso
que ele saiba que tem reserva energética (gordura) para possíveis períodos de
privação alimentar. Qualquer intervenção abrupta para perda de peso (aquelas
dietas mirabolantes que prometem 10kg em 15 dias), também podem ter este mesmo
efeito. Mas sabe qual parece ser o principal aspecto? Adivinhem? A falta de
exercício físico! E a gente já sabe, mas isso é assunto pra outro post, que o exercício que funciona melhor neste caso é o exercício de alta intensidade! Mas procure um bom profissional pra te ajudar nisso!
Benatti e cols (2012), verificaram
que ao promover um balanço energético negativo, mediado pelo
exercício, é possível preservar os efeitos positivos deste tipo de intervenção.
Mas o problema é que a maioria das pessoas que busca uma intervenção como esta,
não está disposta a mudanças de estilo de vida... E aí, tudo foi
perdido.
Eu sou o exemplo disto. Fiz uma
lipoaspiração no abdome e flancos e três meses depois eu estava exatamente
igual, ou até pior. Isso foi em dezembro de 2010 (na foto estou de roupa de
réveillon, usando uma cinta por baixo como parte do processo) e logo na
sequência eu já estava precisando um novo jeito de perder peso 🙈.
Cinco anos depois disso tudo, a
mudança do estilo de vida associando dieta com exercício me trouxeram o peso
que eu não tinha desde 2004, quando estava na faculdade. Não
tenho vergonha de dizer que fiz uma lipo, todo mundo viu que não
adiantou NADA... Também não estou aqui pra dizer para as pessoas não fazerem
uma lipoaspiração... Só estou trazendo dados científicos que comprovam que
nosso corpo irá reagir se não houverem mudanças do ponto de vista metabólico e
isso só pode ser revertido com exercício físico e uma dieta balanceada. Se o
método cirúrgico for a escolha de alguém que estiver lendo este
texto, só espero trazer uma informação que auxilie na manutenção dos ganhos,
porque se eu tivesse lido esta revisão naquela época, ela talvez tivesse mudado
alguma coisa, já que eu acredito muito na ciência. Eu mesma conheço um
monte de gente que irá se identificar com esta minha história e agora poderá
entender como nosso corpo reage. Pra ele é uma agressão chegar e arrancar
de repente um monte de célula adiposa que ele tanto
"custou"guardar pra te proteger... Ele não sabe que você quis isso,
então pra te proteger ele tenta reverter a todo custo.
O que fica destes estudos é
que realmente não existe maneira de alcançar um bom resultado com um
menor esforço. Por isso valorize os bons profissionais de educação física e
nutricionistas, porque eles são a chave pra que seus esforços tragam bons
resultados.
Referências
Benatti
F, Solis M, Artioli G, et al. Liposuction induces a compensatory increase of
visceral fat which is effectively counteracted by physical activity: a
randomized trial. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97:2388–95.
Boriani F, Villani R, Morselli PG.
Metabolic effects of large- volume liposuction for obese healthy women: a
meta-analysis of fasting insulin levels. Aesthet Plast Surg.
2014;38:1050–6.
Broughton 2nd G, Horton B, Lipschitz
A, et al. Lifestyle outcomes, satisfaction, and attitudes of patients after
liposuction: a Dallas ex- perience. Plast Reconstr Surg.
2006;117:1738–49.
Kennedy GC. The role of depot fat in
the hypothalamic control of food intake in the rat. Proc R Soc Lond B Biol Sci.
1953;140:578–96
Krotkiewski M, Bjorntorp P, Sjostrom
L, et al. Impact of obesity on metabolism in men and women. Importance of
regional adipose tissue distribution. J Clin Invest. 1983;72:1150–62.
Rinomhota AS, Bulugahapitiya DU,
French SJ, et al. Women gain weight and fat mass despite lipectomy at
abdominoplasty and breas reduction. Eur J Endocrinol.
2008;158:349–52.
Seretis K, Goulis DG, Koliakos G,
Demiri E. Short-and Long-Term Effects of Abdominal Lipectomy on Weight and Fat
Mass in Females: A Systematic Review. Obes Surg. 2015 Oct;25(10):1950-8.
doi: 10.1007/s11695-015-1797-1. Review.