Fiquei pensando se eu devia mesmo entrar na discussão do tão ‘controverso’ aeróbio em jejum e as múltiplas variáveis que envolvem essa prática, mas acredito que é uma temática muito atual e que vale a pena ser abordada.
É consenso geral que onze em cada dez praticantes de atividades físicas desejam (lutam e sofrem) pra otimizar a redução do percentual de gordura, mas sem perder massa magra.
Assim seria perfeito pensarmos em um treino que para priorizar o metabolismo lipídico como principal fonte para fornecer energia e ao mesmo tempo aumente a massa muscular. Isso é possível?
Esse assunto é super polêmico (todo assunto que não tem um consenso estabelecido é muito complicado dizer se é certo ou errado!). Então nós vamos discutir aqui as bases fisiológicas deste tipo de abordagem (para que vocês entendam como funciona toda a nossa teoria na prática e aí cada um que tome a sua decisão).
Como nós já vimos nas aulas de bioquímica e fisiologia, o metabolismo energético funciona na seguinte lógica: Durante as horas de sono o corpo continua trabalhando para manter as funções normalmente, mas sem se alimentar, portanto acaba utilizando as reservas de glicogênio (lembrem que quando não tem carboidrato nós precisamos lançar mão do glicogênio para o fornecimento de energia). Com a baixa reserva de glicogênio o corpo irá utilizar a gordura como fonte predominante na atividade aeróbica.
Mas como vocês devem lembrar, a variável de intensidade do esforço é de suma importância para determinar o metabolismo energético que irá suprir essa demanda. Portanto se vocês forem realizar um exercício em intensidades mais altas, provavelmente irão estimular a utilização de glicogênio ao invés de gordura, e se não há reservas disponíveis de carboidrato (porque você está em jejum!!!!) seu organismo irá utilizar a segunda via energética mais fácil, que é a proteína (seus músculos!!!!!).
A via da gliconeogênese vai buscar uma via alternativa pra reposição do glicogênio que precisa ser utilizado durante o exercício em maiores intensidades. Esta via vai degradar sua massa muscular e convertê-la em energia (aquilo que você demorou tanto pra ganhar!!!!). Portanto, para evitar o catabolismo muscular, a atividade não deve ser intensa e nem exagerar no tempo, é indicado o tempo máximo de 40 minutos e a frequência cardíaca máxima de 50% a 60%, que é uma frequência baixa para exercícios físicos. Lembrando que o AEJ tem como objetivo apenas a queima de gordura, e não a melhora do rendimento.
Alguns nutricionistas costumam recomendar o uso de aminoácidos (como por exemplo, o BCAA) para evitar o catabolismo da massa magra. Por outro lado, pensando pela lógica da bioquímica, qualquer nutriente que fosse ingerido seria um anti-catabólico (você estaria pagando preço de proteína para que ela faça a mesma função do carboidrato e a diferença de preço é grande!!!!). O organismo continua utilizando a gordura como fonte de energia durante pelo menos 30 minutos depois do término do AEJ, então para aproveitar o máximo dessa queima, é indicado esperar esse tempo para fazer a primeira refeição. A ideia do AEJ em baixa intensidade é direcionar o gasto calórico para utilização de gorduras. Além disso, se considerarmos que pela manhã os níveis de GH estão mais altos, favorecendo a ação lipolítica. O cortisol também está alto nesse momento, o que favorece o catabolismo (CATABOLISMO NÃAAAAAAAO). Muita gente ouve a palavra CORTISOL e só consegue pensar no catabolismo de músculos. Nós queremos o catabolismo de gordura, mas vamos usar a baixa intensidade do exercício para minimizar o impacto catabólico sobre a massa muscular.
Alguns especialistas são contra a prática do AEJ por ressaltarem a necessidade de que haja glicose para iniciar o ciclo de Krebs e, posteriormente estimular o uso da gordura nesta via, após a beta-oxidação. Em outras palavras: Você precisa da glicose (carboidrato) pra perder gordura! O glicogênio armazenado pode ser usado pra iniciar o funcionamento do ciclo de Krebs e posteriormente estimular a queima de gordura. Por isso, se você estiver fazendo aquela dieta onde não há ingestão de nenhum tipo de carboidrato, ao finalizar seus estoques de glicogênio (alguns dias sem consumir carboidratos), será preciso iniciar o catabolismo proteico, o que significa que você vai perder massa magra!
O AEJ é realizado em baixa intensidade, portanto o gasto calórico é relativamente baixo. Em contrapartida, as calorias consumidas foram predominantemente decorrentes da queima da gordura corporal. Então é preciso avaliar a relação custo/benefício deste tipo de estímulo. Além disso, esses achados ainda são controversos!
Por outro lado, quando realizamos exercícios físicos de alta intensidade, acompanhado da ingestão de quantidades adequadas de carboidratos, a taxa metabólica permanece elevada, comparado aos valores de repouso, para que o organismo retorne ao seu estado de equilíbrio. Este efeito é chamado de EPOC (excesso de oxigênio consumido pós-exercício) e caracteriza-se pelo aumento no consumo de oxigênio após o fim da atividade realizada (para reestabelecer o equilíbrio das suas funções vitais). O consumo de oxigênio guarda relação direta com o gasto energético (Gaesser & Brooks, 1984).
O EPOC aumenta linearmente com a duração do exercício e quanto mais intenso for o exercício, maior será a magnitude do efeito EPOC. Em outras palavras, ao realizar um exercício em intensidades mais altas e por mais tempo (
recomendação contrária ao AEJ) você está aumentando o gasto calórico pós-exercício e por mais tempo (Gore & Withers, 1990)! Isso ocorre porque quanto maior for o estresse metabólico, maior será a resposta metabólica para garantir que o organismo retornará a condição de homeostase (Thorton & Potteige, 2002). Existe aumento de 20 a 35% na lipólise após o exercício (Trost et al., 1997). Contudo, a taxa de oxidação de lipídios ainda é maior após exercício de
alta intensidade, uma vez que a síntese de glicogênio é aumentada para repor o glicogênio utilizado. No caso de exercícios moderados a resposta é menos intensa e por um período mais curto.
Um estudo realizado por
Bahr & Sejersted (1985) (
credo, tem quase a minha idade!) comparou o efeito EPOC em indivíduos submetidos ao jejum (7 horas) e alimentados (este artigo é do
Journal of Applied Physiology e é pago, mas quem quiser na íntegra é só me pedir que eu envio). Todos realizaram exercício a 75% do VO2máx durante 80 minutos. Esses autores verificaram que o efeito EPOC foi prolongado e significativo tanto para quem se alimentou, quanto para quem estava em jejum. Entretanto, não podemos esquecer que para o indivíduo que exercitou-se em jejum, o substrato energético utilizado para a reposição dos estoques de glicogênio em exercícios prolongados e de intensidade moderada pode estimular o catabolismo proteico (
e você perde massa magra!)
Além disso, é preciso entender que perda de peso não é só a redução da massa corporal e sim o balanço entre perda de gordura/ganho de massa magra, portanto é preciso combinar treinamentos que estimulem os ganhos de massa muscular. Este tipo de balanço positivo também provoca o aumento do metabolismo basal (pessoas com mais músculos gastam mais calorias em repouso!)
Em resumo: Existe uma lógica para fazer o AEJ. Se é bom? Se você pode recomendar? Isso só você pode determinar, porque você com certeza terá avaliado e analisado o seu aluno (porque você foi meu aluno e sabe que é proibido fazer receita de bolo, e vai levar em conta o princípio da individualidade biológica). Sabe que indivíduos que podem exercitar-se em intensidades mais altas podem beneficiar-se do efeito EPOC sem precisar do AEJ. Também é preciso avaliar se, tanto exercícios submáximos como os indicados para o efeito EPOC mais significativo, quanto o AEJ são confortáveis e oferecem segurança ao seu aluno/cliente.
De toda maneira, a OMS e o American College of Sports Medicine (ACSM), recomendam que toda população se engaje em uma rotina regular de exercícios que englobe 20 a 60 minutos de exercícios aeróbios de 3 a 5 dias por semana, juntamente com um treinamento de resistência com freqüência de 2 a 3 vezes por semana.